terça-feira, 13 de maio de 2008

UMA PECUÁRIA SUSTENTÁVEL

Foto: Tobias Ferraz 2007
Plantel da raça Gir Leiteiro, Fazenda Sant'Anna, Rancharia/SP.


Durante a Expozebu, discute-se os novos rumos da produção
Por Tobias Ferraz

A Expozebu chega ao seu 74º. ano com uma cara um pouco diferente. A edição 2008 da maior feira pecuária das raças zebuínas do mundo parece que está ficando mais humana. Os organizadores fizeram esforço para levar pequenos e médios produtores rurais para o Parque Fernando Costa, em Uberaba. Teve até o Primeiro Simpósio sobre Pecuária Sustentável, outro enorme esforço por parte da diretoria da ABCZ-Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, em colocar na pauta um elemento da agenda internacional de todas as cadeias produtivas.
Tentei acompanhar ao máximo as falas dos primeiros palestrantes do Simpósio sobre Pecuária Sustentável. O que ficou claro para mim é que o conceito de pecuária sustentável está em construção. Não são critérios científicos que vão definir o modelo de sustentabilidade para a pecuária brasileira, são critérios políticos.
Existem experiências ou modelos interessantes de manejo com menor impacto ambiental em fazendas e grandes regiões do Pantanal sul e norte. No semi-árido do norte da Bahia, o pecuarista Joãozito Andrate (mais de 90 anos de idade), procurou entender a caatinga ao invés de transformá-la, e lá multiplica o seu nelore, seleciona ovelhas e cabras com baixíssimo impacto.
Tem uma clássica frase preservacionista que diz: "Os bens do planeta, tomamos emprestados das futuras gerações. É nossa obrigação devolvê-los em bom estado."
Quando buscamos o entendimento sobre o modelo de sustentabilidade que queremos, esbarramos também no conceito de "tecno-responsabilidade" ou "tecno-Irresponsabilidade", ou seja, usamos produtos e tecnologias durante anos, para só depois descobrirmos que são nocivas (caso do BHC, inseticida usado largamente até a década de 1980 e que se provou cancerígeno; a talidomida, medicamento dado para mulheres grávidas que provoca a má formação do feto e fez nascer milhares de crianças deformadas, e do CFC gás que era usado em geladeiras e sprays de perfumes e desodorantes e que contribui para a destruição da camada de ozônio). Nesse rol entra também uma prática comum na primeira metade do século passado, quando o governo federal recomendava desmatar beira de rio para controlar ou combater a malária, e no final da década de 1980 recomendou a recomposição das matas ciliares. A adoção de espécies africanas de gramíneas (as Brachiárias) provocou impacto? Houve estudo de impacto das Brachiárias? Não sei.
Ainda em busca desse conceito, temos a questão do comportamento, onde o mercado do luxo é perdulário com materiais e matérias primas (catálogos de leilão de fina estampa, com capa dura, pesadões e feitos a partir de papel produzido de forma convencional, troca de automóvel anualmente, o mercado da moda que força o consumo de roupas a cada dois ou três meses). Existe um pensamento em voga na Europa atualmente que afirma ser a ostentação, uma atitude "demodê", é algo sem sentido e "politicamente incorreto". Exibir riqueza ou dote, na Europa de hoje, é coisa de gente inculta. Então, nossa elite econômica deve estudar mais. Nossa elite econômica não é necessariamente a mesma que produz nossa elite intelectual, pelo menos não na sua totalidade.
Será que devemos consumir de forma desenfreada? Será que não deveríamos adotar também um regime de consumo responsável? Será que a adoção de um modelo sustentável para a pecuária não passa também pela revisão de nossos hábitos diários?
Quando penso em pecuária sustentável fico imaginando no primeiro impacto: bovinos em terras brasileiras. Ora, o bovino não é nativo do Brasil, eis a gênese do gargalo ideológico. Partindo para o lado prático, vivemos em modelo capitalista onde tudo é possível, inclusive o equilíbrio. No setor industrial e de serviços temos uma série de empresas que conseguiram adotar modelos de produção e de gestão com a finalidade de reduzir impactos ambientais e estão obtendo ótimos resultados (caso de Natura e O Boticário na área de cosméticos). Será que não temos muito que aprender com as ilhas de economia solidária? Não será este o oportuno momento de verticalizar e reorganizar a cadeia de cria, recria e engorda para chegarmos em 10 ou 12 u.a./ha. (unidade animal por hectare)? O conceito de "piquete limpo", sem arborização será que não é equivocado? A construção de "corredores ecológicos" ligando fazendas, bairros e cidades; por onde possam trafegar e viver as espécies silvestres será um sonho impossível?
Creio que deveríamos olhar para alguns pecuaristas silenciosos, gente que não é tida à fama e que por trás desse anonimato vêm fazendo trabalhos, no mínimo interessantes, de redução de impactos ambientais.
Gosto de bater no peito e dizer que tenho orgulho da Embrapa e do corpo de pesquisadores dessa instituição, afinal a Embrapa está para os brasileiros, assim como a Nasa está para os norte-americanos; e a Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna-SP) tem pesquisas e projetos que deveriam ser revistos e seus pesquisadores consultados nessa etapa de construção de um conceito para a prática de uma pecuária sustentável para nosso país.
A convicção de que tudo passa pela educação fica cada vez mais evidente. A construção de modelos de sustentabilidade para cada segmento da produção pode trazer uma série de reflexões, essas discussões talvez nos ajudem inclusive a encontrar o caminho para acabar com o hábito antiquado de matar gente para resolver problemas. Talvez a gente encontre a trilha do desenvolvimento humano e baixar um pouco a bola do deus mercado.///

Uberaba, maio de 2008.///

Nenhum comentário: